Agostinho Fernandes | |
António Nogueira | |
Carlos Cardoso | |
Lurdes Cavaco |
|
Pe Jorge |
|
Maria de Lurdes Laranjo |
|
Pe Gonçalinho | |
Portugal | |
Adriano Almeida Lacerda |
in Memoriam
Nota de Condolências
É com grande pesar que a Associação dos Antigos Alunos do Colégio de Lamego tomou conhecimento da notícia do falecimento, do Pe. Agostinho Machado, OSB, antigo professor do Colégio de Lamego.
47 anos de Colégio de Lamego Há uns anos em conversa com o Sr. Padre Agostinho Machado, perguntei-lhe: Respondeu-me com a parábola do Semeador: |
O meu altar!
"Sai da tua terra, da tua família, da tua casa e vai para a região que eu te mostrar".
E Abraão saiu, como o Senhor lhe tinha ordenado, com destino à terra de Canaã. "E o Senhor disse-lhe: Eu darei esta terra à tua descendência. E Abraão ergueu um "Altar" e invocou o nome de Deus".
Foi nos primeiros dias de Outono, em tarde fresca, mas cheia de sol, do mês de Setembro, no ano mil novecentos e cinquenta e nove. Malas aviadas em direcção a Lamego. Para trás fica o Mosteiro, a família monástica, amigos e conhecidos, e a paisagem minhota: "sai da tua terra e vai para aquela que eu te mostrar".
Padre Bonifácio Carreira da Fonseca, mais tarde director do Colégio, de sessenta e nove a setenta e dois, ano em que faleceu de acidente, em terras de Angola, aonde se deslocara em missão comunitária, e onde, anos atrás, tinha desenvolvido notável acção missionária, era o meu companheiro de viagem.
Jamais esquecerei o espectáculo panorâmico que sempre nos oferece a descida de Mesão Frio em direcção à Régua, coração de vinho do Porto: a vinha em socalco, subindo a custo a encosta ou espraiando-se dengosa nas margens do rio que, indiferente à sua "toillete" colorida de tons outonais, ia deslizando e serpenteando lento e vagaroso e ao sabor das rochas polidas pelo bater das águas, em arremedo com a estrada sinuosa e sobranceira, a exigir cuidados especiais ao condutor. Realidade? Fantasia? A beleza, por vezes, é sonho... para jamais esquecer e sempre para recordar. Hoje tenho alguma saudade desse rio de águas barrentas a comunicar à região um certo ar de austeridade.
Depois, a Régua tímida, calma e serena, estendia-se na margem direita do rio, aqui mais espraiado e liberto de escolhos, acolhendo agradecida os últimos raios de sol.
Uma ponte, um tanto ou quanto apertada, leva-nos à outra margem do Douro que fica para trás. Deste lado continuam os vinhedos costa acima, e, logo a seguir, as margens escarpadas e alterosas do rio Varosa que a custo se deixa ver.
Depois, Cambres, Souto Covo e o Santuário da Senhora dos Remédios, abençoando a cidade do alto do monte Santo Estevão -Dai-me a vossa Bênção, Mãe, pedi eu. E finalmente Ortigosa. Os vinhedos, que hoje não existem, abundantemente atapetados de ortigas, faziam realmente jus a esta designação toponímica.
Subimos, então, uma pequena, mas acentuada rampa ladeada de um forte e alto muro rematado por uma grade de ferro que ainda lá está, ultrapassamos um portão sóbrio de formas e também de ferro e eis-nos frente ao vetusto Colégio de Lamego com cem anos feitos de fresquinho.
Avançamos, dobrando as portas robustas. Mas esta sensação de segurança e robustez rapidamente desaparece, mal pisamos resolutos o "hall" de entrada, acompanhados pelo saudoso Padre Plácido Peralta, que solícito, simpático e com um rasgado sorriso, nos esperava. As escadas que começamos a subir são a primeira escalada da realidade que as grossas paredes nos escondiam. O peso e o desgaste dos cem anos de existência estavam bem marcados e patentes a exigir "odres novos" para “sangue novo” pois assim o pediam também as gerações presentes e futuras da juventude que nos procurava. E isto vai tornar-se parte integrante do nosso "holocausto" que se havia de prolongar até aos anos setenta. Tempos de verdadeira heroicidade para a totalidade da comunidade educativa: o restauro de mais de dois terços do Colégio, sem qualquer interrupção das suas actividades escolares.
Entretanto, foi tudo muito rápido e simples: chegar e assentar arraiais. E mesmo ao cair da noite que se adivinhava fria, acedendo a um convite da última hora, percorri algumas ruas da histórica cidade de Lamego. Neste primeiro e breve giro, encontrei-me com o também saudoso Dr. Francisco José Cordeiro Laranjo, professor do Colégio e dotado de um fino e apurado gosto artístico que, mais tarde, nos anos sessenta poria à prova na orientação de duas grandes exposições: - Comemorações Henriquinas, de três a dezoito de Maio de mil novecentos e sessenta, considerada como "uma das belas realizações histórico-artísticas conseguida no Colégio, como nenhuma outra instituição escolar terá realizado... digna do público mais exigente."
- E a exposição sobre a Vida e Obra de S. Bento, em vinte e um de Março de mil novecentos e sessenta e nove, igualmente notável pela qualidade artística dos trabalhos executados. Este meu casual (?)encontro com o Dr. Laranjo nos primeiros momentos da minha presença em Lamego foi, sem dúvida, o passo para uma longa e grande amizade que não esquecerei facilmente até por ter sido a primeira de tantas outras em terras de Beira Douro.
E ali estava o jovem de vinte e seis anos, franzino mas confiante... era a nova terra, outra comunidade, outro povo. Tempo de deslumbramento vagamente contido que não deixa esquecer a realidade da nova situação e me leva a pensar: eis o meu "Altar".
Viver em prolongamento - Colégio de Lamego. O prolongamento do meu corpo, o prolongamento da minha comunidade, o prolongamento dos meus votos, o prolongamento da minha oferta firmada ao meus vinte e dois anos. O Colégio de Lamego...o meu "Altar". Ser pai, ser mãe, ser irmão, amigo e companheiro de viagem! Certezas e dúvidas, vitórias e derrotas... amor e perdão, rigor, exigência e tolerância... ver mas não ver, não julgar para ser justo, para esquecer, para aproximar...
Ser e acolher; sarar feridas e muitas vezes "lamber lágrimas"; semear, podar, regar e fazer crescer. Desânimos, cansaços e recuperações de energias... lutar, perseverar e colher não se sabendo quando nem quanto! Mas sempre na alegria, na generosidade e na perseverança e na atitude de dom. Vida em permanente holocausto oferecido no altar que fui construindo na obediência, na disponibilidade para o serviço gratuito aos irmãos que permanentemente nos procuram... nele depositei a oblação do meu prolongamento de todos os dias, de todas as horas, de todos os momentos do meu viver, sempre em presença atenciosa, decidida e actuante, porque os jovens não têm tempo para esperar nem permitem adiamentos.
E depois um longo caminho de esperanças e também de desânimos mas sempre uma experiencia de fé perante o silêncio de Deus, a prova de Deus e muitas vezes na escuridão da noite. Um longo peregrinar entre as areias inertes dos desertos. Conquista prolongada de derrotas, humilhações, sangue e suor no confronto permanente entre duas idade sem contraponto: o adulto que realiza, que se compromete, que assume responsabilidades, e o adolescente-jovem que vive de generosidade sem freio, utopias e esperanças que por vezes se ficam em puros idealismos. A primeira a fazer o caminho para o deixar à segunda. É a passagem do testemunho na estafeta da vida... o verão da vida a deslizar lenta e penosamente pelo desmaiar de Outono até ao silêncio total do qual surgirão novas primaveras. Uma vida que se entrega na certeza de outra vida. Vida por vida, razão fundamental do existir, do ser.
O Colégio de Lamego, o "Altar" da minha vida em longa imolação envolta em poeiras, sóis, humilhações e desastres pessoais e alheios...tantas vezes se pensa sair para fora, abandonar o barco porque não nos damos conta do Timoneiro, pois nos fixamos demasiado no resultado da pesca e na invencibilidade da máquina. Uma vida toda e captamos tão pouco! "Homem de pouca fé..."
Entretanto, pelo caminho de desenganos e escuridões, vamos sendo conduzidos do sonho de determinado tipo de vaidades e grandezas ao clarão da verdade... apetecia-me ficar aqui, mas a terra é mais além – o compromisso não é com o êxito fácil, mas com a morte que conduz à vida.
E foi até ao fim o holocausto neste "altar" que eu também ajudei a erigir a partir do dia em que ouvi o convite: "sai da tua terra... e vai para a região que te mostrar".
Mais consciente do que sou, do que dei e do que recebi também durante quase meio século (só faltaram três anos), foi tempo de regressar ao ritmo do meu primeiro lar, rampa de lançamento de encontro à nova terra que ora deixo e, na oração e no trabalho, continuar a desafiar o desafio que a muitos de nós parece impossível: construir comunidade entre irmãos que nós não escolhemos.
Na bagagem mais experiência adquirida em contactos diferenciados com pessoas, realidades e circunstâncias e muita confiança. "Agora será tempo para olhar, contemplar, perdoar, como diz Jean Vanier. Está ultrapassada a fase de provar pela eficácia." Há que continuar a fazer viagem. A meta espera-me lá.
E vamos encontrando sintomas muito especiais no crescimento da vida: os resultados não são proporcionais aos esforços, as dificuldades são sempre iguais e por vezes maiores. Parece que, quanto mais avançamos, mais distantes ficamos da meta. Quanta energia para tão pequenos resultados!...e o desalento começa a cair sobre a alma como algo que ameaça fazer abandonar a rota. Mas o alto cimo continua a chamar e pressinto que, como peregrino, só lá em cima terei descanso. Trata-se de uma complexidade vivencial que levanta a alma por uma espécie de insuflação de novas energias que lhe vão apressando o passo e a levam a continuar a sua ascensão. É a presença dos meus longos quarenta e sete anos vividos ao ritmo de várias gerações de uma juventude irrequieta e exigente, insatisfeita e muitas vezes irreverente e sempre a pôr em causa e à prova a nossa capacidade de resistência.
Como esquecer o meu Colégio de Lamego? Porque foi o meu passado, jamais poderá deixar de ser o meu presente. Nele e por ele imolei a minha vida!
Pe. Agostinho Machado, osb
Um texto do EDUCADOR , Padre Agostinho Machado, que demonstra bem o seu percurso de vida e o seu fundamento! Seremos sempre GRATOS. |