Homenagem a D. Valdemar Pires, o.s.b.
Gostava de começar por fazer dois agradecimentos e ler uma mensagem do Exmo. Sr. Eng. José Balça, antigo aluno do Colégio:
Ao Padre Policarpo agradeço o ter-me partido o bife, sem os colegas perceberem que eu não o conseguia fazer; o ter-me espalhado “herodoide” nas canelas, depois dos jogos de futebol; a atenção com a medicação, sempre certinha, quando estava doente; o aconchegar a roupa nas noites frias na camarata dos pequenos; os castigos, justos, quando fazia asneiras!
Agradeço, também, essa memória prodigiosa, que guarda as nossas histórias de meninos, com pormenores que já esquecemos, mas que nos transportam ao passado vivido neste Colégio que é de todos nós, mas construído por vós, Monges Beneditinos. Ao Padre Policarpo agradeço a preocupação, o carinho e o afecto dispensados a todos nós.
Ao Padre Matias e, ao saudoso Padre Jorge, agradeço os treinos de voleibol e tudo o que nos ensinaram através do desporto. Treinamos durante horas, dias, semanas, meses e anos. Ao sol e à chuva. Vivemos alegrias e tristezas, sucessos e fracassos. O desporto de competição preparou-nos para a vida: a importância do esforço e do trabalho em equipa para alcançar os objectivos. Experimentamos os nossos próprios limites. Testamos o controlo das emoções. Aumentamos a confiança em nós próprios.
O Padre Matias foi o grande impulsionador do voleibol no Colégio de Lamego, junto de sucessivas gerações. Trata-se de uma obra que merece o reconhecimento de todos nós, da cidade de Lamego e do país. Parabéns.
O Zé Balsa, na impossibilidade de aqui estar presente pediu-me para ler esta mensagem ao Padre Valdemar:
Durante a vida, conheci muitas pessoas, mas somente algumas ficaram para sempre na memória: São os Amigos.
Por vezes, pelo simples facto de terem dito uma simples palavra de conforto quando precisei, por terem disposto de um minuto da sua atenção, por ouvirem as minhas angústias, medos, vitórias, derrotas.
Isto é ser amigo: ouvir, confiar e amar o próximo.
E os amigos de verdade ficam para sempre nos nossos corações, assim como as pegadas na alma que são indestrutíveis.
O Amigo Padre Valdemar foi uma pessoa muito especial e importante na minha passagem pelo colégio: sempre pronto a ajudar, não importando quem.
Obrigado Padre Valdemar
Quando me pediram que vos falasse do Padre Valdemar, não adivinhei dificuldades, porque pensei na nossa turma do 7º ano de escolaridade, aqui hoje tão bem representada e pareceu-me fácil testemunhar o quanto o Padre Valdemar marcou cada um de nós.
Pensei no Monge Beneditino, que respondendo a um chamamento profundo de Deus, dedicou a vida ao serviço dos outros, no mais completo desprendimento dos bens materiais e na simplicidade da vida monástica.
Pensei no Monge Professor, que se dedicou, durante anos, com competência e empenho, ao ensino do Francês. Aguçou a nossa curiosidade pela pátria da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Valores que num Portugal acabado de sair da Revolução de Abril, ainda eram novidade para todos nós.
Pensei no Monge Perfeito, encarregado pela nossa educação. Disponível 24 horas por dia. Escutou com atenção as nossas dúvidas, próprias da adolescência. Esteve atento às nossas dificuldades. Preocupou-se com os sarilhos em que frequentemente nos envolvemos. Acompanhou o nosso estudo. Vigiou o nosso sono.
Pensei no Monge Missionário que partiu para Angola, numa época de incertezas e inseguranças com a convicção da necessidade do seu sacrifício para o serviço de Deus e do próximo.
Dito isto, e é tanto, (porque se trata da vida de um Homem ao serviço de Deus e dos outros Homens); ainda ficou a sensação de que o essencial, o importante, estava por dizer.
Na verdade, quando recordo o Padre Valdemar penso no Monge Amigo.
Viajo até à adolescência. Numa idade em que os jovens aparentam muitas certezas, não assumem as dúvidas, acreditam em verdades absolutas e estão a afirmar-se perante os outros.
Recordo as intermináveis discussões, sobre o 25 de Abril, a descolonização, os retornados, as raparigas. Discutíamos sobre tudo e sobre nada: as saídas à cidade, as autorizadas e as não autorizadas, a disciplina, os estudos e a língua francesa. (Até futebol discutíamos, eu benfiquista convicto, ele portista iludido, coitado?!).
Francamente não me lembro das nossas opiniões e pontos de vista. Não sei onde concordávamos e discordávamos. Nem sei porque discutíamos. Mas sei que o fazíamos frequentemente.
Demorei muito tempo a perceber porque é que nesses debates o Padre Valdemar estava sempre muito calmo, porque prolongava indefinidamente a discussão. Porque falava tanto dos franceses, de outras mentalidades e de outras perspectivas.
Só mais tarde compreendi que quando discutíamos, não pretendia impor-nos a sua opinião. Afinal o objectivo era mostrar-nos outras perspectivas, outras mentalidades e horizontes que desconhecíamos, num Portugal que ainda não sabíamos ser atávico e salazarento, mas que ele queria livre e moderno.
Penso que o nosso Amigo Valdemar, que é Monge, tem duas características que o definem: a tolerância e a descrição.
A tolerância traduzida na infinita capacidade para ouvir os jovens, esforçando-se para compreender os seus sentimentos, as suas emoções, o seu estado de alma, mas também a determinação em lhes rasgar horizontes, quebrar tabus e ultrapassar preconceitos. A aceitação do outro, como ele é, na sua individualidade
A descrição própria do Amigo que, consciente do muito que fez por todos nós, humildemente, nunca pediu nada em troca e sempre recusou gestos de agradecimento.
Na verdade, só depois de muita insistência aceitou estar aqui presente. E se o fez não foi para ser homenageado, mas para conviver com todos nós, os que fomos, em algum tempo, passado ou presente, “os côdeas”, como ele chamava e ainda chama aos seus pupilos.
Obrigado, Padre Valdemar.
Dr. José Parente (ex-aluno)
31 de Maio de 2008